TRANSPORTE DE PASSAGEIROS EM EMBARCAÇÕES DE PESCA - QUESTÕES CONTROVERSAS

Hoje fui consultado por pescadores abordados pela fiscalização da Marinha do Brasil durante a Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, sob a alegação de que seria proibido o transporte de passageiros em embarcações de pesca. Esse episódio levanta a necessidade de esclarecer o que diz a legislação e quais cuidados devem ser observados.
A Lei nº 11.959/2009 autoriza pescadores artesanais a utilizarem suas embarcações para transporte familiar. O Artigo 24, § 4º dispõe: “A embarcação utilizada na pesca artesanal, quando não estiver envolvida na atividade pesqueira, poderá transportar as famílias dos pescadores.” Embora o texto mencione apenas familiares, em eventos tradicionais como procissões marítimas, é compreensível que amigos e membros da comunidade sejam convidados a bordo, desde que gratuitamente, sem qualquer cobrança de tarifa. Caso contrário, a atividade configuraria transporte comercial de passageiros, o que exigiria dupla classificação da embarcação.
Um problema, porém, é definir, para uma embarcação classificada como de pesca, qual o limite de passageiros. Por não possuir dupla classificação – pesca e transporte de passageiros –, essa informação não consta no Título de Inscrição de Embarcação (TIE), documento emitido pela Marinha do Brasil. Essa ausência de especificação pode gerar interpretações divergentes durante a fiscalização.
Para evitar esse tipo de dificuldade, o ideal é que as embarcações de pesca cogitadas para serem empregadas no transporte de passageiros durante as procissões, por exemplo, busquem obter a dupla classificação. Dessa forma, além de regularizar a operação, seria possível determinar formalmente a capacidade de passageiros quando a embarcação não estiver sendo utilizada na atividade de pesca.
No entanto, caso a definição do número de passageiros permitidos não esteja previamente estabelecida, o respeito à linha de francobordo deve ser adotado como critério essencial. Conforme normas da Marinha do Brasil, a linha de francobordo, também conhecida como linha d’água ou linha de carga máxima, é uma marca no casco que indica o limite de segurança até o qual a embarcação pode ser carregada sem comprometer sua estabilidade e flutuabilidade. Se a embarcação estiver submersa além desse limite, significa que a carga a bordo (seja de passageiros ou de outros itens) está excessiva, aumentando o risco de instabilidade, perda de manobrabilidade e naufrágio.
Assim, a observação contínua da linha de francobordo durante o embarque e a navegação deve ser um parâmetro indispensável de segurança. É essencial que o responsável pela embarcação, bem como eventuais fiscais e tripulantes, monitorem essa referência visual para evitar sobrecarga e garantir que a embarcação opere dentro dos limites seguros.
Cabe destacar que a Marinha do Brasil tem a responsabilidade de zelar pela salvaguarda da vida humana no mar, pela segurança da navegação e pela prevenção à poluição hídrica. Seu papel fiscalizador não deve ser visto como um entrave, mas como uma medida essencial para preservar vidas e manter a ordem no tráfego aquaviário.
Além disso, é importante fomentar a mentalidade marítima, conceito amplamente defendido pela Marinha do Brasil, que se refere à consciência individual e coletiva sobre a relevância do mar para o desenvolvimento sustentável, a segurança nacional e a economia do País. Uma sociedade que compreende o valor do mar e das vias navegáveis tende a preservar melhor seus recursos e a adotar uma postura responsável na utilização desse patrimônio.
Assim, o equilíbrio entre tradição, segurança e legalidade é fundamental para que manifestações culturais e religiosas sigam acontecendo sem comprometer a integridade da navegação e dos envolvidos.
Ernesto São Thiago - Destino Náutico Consultoria, Advogado atuante em Direito da Orla e Consultor em Desenvolvimento Náutico